Pedras Rolantes

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quinta-feira, setembro 25, 2008

Paisagem, com pomar e figuras

Como trabalho de rentrée (em férias tínhamos lido os Maias e Viagens na Minha Terra), a nossa stôra (tratemos as pessoas pelos nomes ) de Português, que achava que as pessoas da área A Saúde tinham que ser uns néscios na língua pátria, mandou-nos a todos à Exposição Temporária da Gulbenkian sobre Impressionistas da colecção Reader's Digest. Eu e um grupo de colegas até já lá tínhamos ido antes, pelo que foi fácil, escolher um quadro e escrever.

Não percebo nada de pintura a óleo, inventei, como se se fizesse um quadro num dia, sem esboço nem nada, discorri no que achei mais natural serem os focos de atenção do quadro.

Com um título espantoso, diga-se de passagem. Mas enfim, a stôra mais uma vez engoliu os pergaminhos e como gostava tanto de se ouvir, leu-me alto e bom som a toda a turma. Já de seguida. (eu e ela adorávamo-nos de paixão, percebe-se não é?)


PAISAGEM COM POMAR E FIGURAS
CLAUDE MONET - ÓLEO SOBRE TELA - 1879


O sol desabrochava por entre os montes distantes.
Lentamente, a vida começava a despertar: já se ouvia o cacarejar distante do galo, o canto suave e melodiosos dos pássaros, os movimentos discretos e silenciosos dos mais madrugadores.
O meu quarto iluminava-se, recebendo, agradecido, os primeiros raios de um sol de Primavera.
Levantei-me e corri para a janela. Embora ainda estivesse em gestação, eu sabia que este dia seria muito especial.
Em pouco tempo, estava pronto a sair para um passeio no campo. Paleta, cavalete, tela, óleo, não faltava nada...
Os meus passeios não eram planeados nem pré-determinados. De vez em quando, saía da pequena casa que tinha alugado, e andava pelo campo, dialogando com a Natureza, tentando captar o que ela realmente tem para nos dizer.
Ah, que diferença: a calma bucólica do campo, contrastando com o permanente bulício de Paris... Sinceramente, é aqui que eu me sinto mesmo bem.
Passara já campos de papoilas e terrenos cultivados, pequenas ravinas escarpadas, e vales que serviam de leito a ribeiros, pequenas aldeias fervilhando de actividade, e longas florestas onde apenas se ouviam os murmúrios da Natureza.
Cheguei ao cimo de uma colina. Nesse preciso momento, descobri o que me havia motivado desde o princípio do dia. Instalei o meu cavalete e as minhas tintas. Tudo estava pronto.
A paisagem que se vislumbrava diante dos meus olhos era imensa. Porém, eram as árvores e o céu que captavam a minha atenção.
O céu, apesar de Primaveril, tinha aquela cor clara, levemente enevoada, de um dia de Verão, onde se desenhavam os reflexos cor-de-rosa das nuvens dialogando com o sol.
Comecei a pintar. Misturei azul, branco, amarelo e rosa. Espalhei as cores suavemente, com pinceladas fortes que expressavam a minha visão daquele céu preso num ténue tecido de algodão.
Depois, a colina, altiva e imponente, destacava-se do fino bordado do céu, pelos seus tons verdes frios, cinzentos e castanhos esfumados. Espalhei-os na tela com pinceladas largas, sem rumo, ora diagonais, ora horizontais.
Lá ao longe, vislumbravam-se perfis de uma casa e de árvores, que se encadeavam já na teia azul e branca, parecendo desprender-se da ténue linha do horizonte. Escolhi uma mistura de verde e azul, castanho e cinzento, para formar uma cor que mostrasse a distância, a separação total daquele panorama que se apresentava aos meus olhos.
Quanto ao solo, ao substrato, a todo o fundo essencial para completar toda aquela panorâmica de beleza, embora começando por ser uma mescla de verde esbranquiçado, cinzento azulado e castanho, que escondia um vermelho quase provocante, tornava-se, à medida que cobria a tela, uma mistura mais homogénea, de um verde escuro, verde-negro, quase opressivo, como que subjugado por uma natureza em êxtase que o rodeava.
O fundo estava pronto. Podia agora passar ao primeiro plano. Poderia passar agora ao motivo, à razão de ser daquele esboço que se começava a desenhar naquela tela junto de mim.
À minha frente encontrava-se um vale, e em primeiro plano, um pomar.
As árvores em flor, com o seu vigor e brilho, contrastavam com a natureza que as rodeava, quando comparada com elas, quase inerte e sem sentido.
Primeiro desenhei os troncos, finos e esguios, erguendo-se para o céu; uns em tons de castanho e branco, apenas com um pouco de preto, para contrastar com o verde escuro e suave do fundo, eram os que captavam os raios solares em toda a sua intensidade; outros, do lado direito da tela, eram pintados em tons de castanho e predominantemente preto, pois encontravam-se na sombra.
Mas o que mais me impressionou foi a vivacidade e multiplicidade de cores das flores. A partir dessa altura, deu-se uma simbiose total entre o pincel e a minha mão. Febrilmente, compus as folhas e as flores como inúmeros pequenos toques leves, graciosos e multicolores: brancos, rosa, azuis, amarelos e até encarnados, dando uma impressão de vida e de movimento, mas de um movimento suave, como uma aragem.
Da mesma forma que espalhou pelas árvores as graciosas flores, o meu pincel cultivou outras plantas, mais rasteiras, por entre a relva bravia, no seu verde escuro, agora coberta de múltiplos pontos e traços de várias cores.
Todo o resto da paisagem era secundário: duas pequenas casas, simples, brancas, com telhado vermelho, tentavam sobressair, embora discretas e singelas, por detrás da manifestação de exuberância que a natureza me exibia.
Secundárias eram também as personagens: uma mulher sentada na relva alta - umas poucas pinceladas cremes e castanhas -, uma outra, inclinada, debaixo das árvores - para além do castanho e creme, uma breve mancha branca, sugerindo um vestido - e uma terceira, com uma criança nos braços, passeando no jardim deslumbrante, quase oculta pelas árvores em flor.
A obra estava pronta. Falando modestamente, a verdadeira obra estava num vale, já ao fim da tarde de um dia de Primavera, à frente dos meus olhos, e eu tinha-me limitado a passar à tela a minha visão do espectáculo esplendoroso que é a Natureza em flor.
Guardei as tintas, os pincéis, desmontei o cavalete, e olhei uma última vez para o vale florido, que recebia agora os últimos raios do pôr-do-sol... Como o tempo passara depressa !... Mas aquele dia fora realmente especial !
Cheguei a casa e pensei num nome para o quadro. A sua grandiosidade estimulava-me. Depois de muito ponderar, cheguei à conclusão que, por mais belas que fossem as palavras, só o quadro falaria por si. Singelamente, acabou por ficar, apenas, Paisagem com Pomar e Figuras. Assinado Claude Monet.
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