Pedras Rolantes

"A vida é aquilo que acontece enquanto estás demasiado ocupado a fazer outros planos" John Lennon



"You can't always get what you want, but sometimes, yeah just sometimes, you can get what you need" The Rolling Stones



quinta-feira, novembro 13, 2008

A Vida como Windows Vista (marca registada)




Estou a falar por mim, mas eu tenho esta sensação, e penso que qualquer pessoa que tenha nascido depois dos anos 50 teve essa mesma sensação quando pequeno/a.
Nasci quando já havia antibióticos, até sem ser só a penicilina (!), vacinas em plano nacional e se conseguiu pela primeira vez erradicar uma doença - a varíola (menos em certos laboratórios etc etc) a nível mundial. A tuberculose tinha cura. A UNICEF fazia figura. 1979 foi o Ano Internacional da Criança. As pessoas começavam a preocupar-se com coisas que valiam a pena, como erradicar a malária, a mortalidade infantil caiu décadas a fio por boas práticas hospitalares e pediátricas. Houve mudanças. Tendencialmente, havia saúde e educação para todos.
O mundo subia para cima, para baixo, para os lados, todos se chegavam uns aos outros, todos chegavam aos arranha céus do mundo rico, tínhamos aviões comerciais mais rápidos que a velocidade do som, tínhamos chegado à Lua, tínhamos conquistado o direito ao voto para as mulheres (Hillary) e para as pessoas de cor (Obama).
No meu 1984 - curioso, ao menos vivi no título de um livro, já que falhei o sputink, o Evereste, a baía dos porcos, the eagle has landed e o 1º voo supersónico, p ex - não me fazia confusão não haver leitores de mp3, walkmans, discmans. Não ía andar de LP e gira-discos ao peito, pois não? Não pensei uma única vez em telefones portáteis que não fossem calhamaços instalados em carros, ou em walkie-talkies, que tinham mais piada. ~
Nunca me passou pela cabeça alimentar Tamagochis virtuais com peneiras, nem passar a vida grudada a um écran a jogar uma coisa que nesse tempo se chamava Nintendo, tinha 2 pilhas estilo relógio e tinha uns movimentos algo limitados (atenção -havia uns de dois andares - os meus ainda funcionam!). Os vídeos beta ainda não tinham sido derrotados pelos VHS e a palavra digitalizar soava a estranho.
No advento da Informática (graaaaaande Zx Spectrum, busca Bobby, busca), por fases, e pelos meus próprios meios, aprendi linguagem BASIC, PASCAL, MS DOS e depois o tio Bill achou que não valia a pena um mundo tão fechado e descolorido sem janelas, e de aprendiz passei a utilizadora das enésimas versões do Windows. Não sei programar, só utilizar.
Mas sei isto. Em 1984 já havia modems, só que eram telefones modificados. Já tinham inventado o filme War Games - Jogos de Guerra. O homo sapiens sapiens nicles é só peneiras. Esta mania que a inteligência artificial nos há-de ultrapassar... Enquanto for posta "ao serviço do utilizador" ou seja, a dar pilim à Microsoft, nunca vai mudar nada, como nós. Habituámo-nos.
Quando precisamos de alguma coisa, o computador, a internet, o cartão multibanco... Em 1984 estavam a funcionar - talvez- os primeiros ATMs em Portugal, não sei... Agora os multimédia, a informação em tempo real. (O tanas - é aquela coisa chamada anglo-saxonicamente delay, que faz com que os comentadores em sítios distantes a falarem em directo possam ser ouvidos repetidamente se não cortarem o som)
Tudo o que estamos a ver AGORA já aconteceu. Há 30 segundos, há menos, mas já aconteceu. Ao menos as estrelas não mentem. Anos luz são anos luz e no livro Contacto de Carl Sagan, estavam precisamente a responder às nossas primeiras imagens enviadas para o éter, um homenzinho detestável de bigode nos Jogos Olímpicos de 1936. Tétrico.
Os computadores evoluíram, evoluíram tanto e miniaturizaram-se. Nos anos 40 ocupavam edifícios inteiros. Depois descobriram que não precisavam de transístores nem de fitas magnéticas e veio o silício.
Mas o processador de um computador tem um vício que a mente humana não tem. Trabalha em série e não em paralelo, só que muito depressa. Cada vez mais depressa. Por isso é necessário inventar sistemas operativos que disfarcem essa pressa, essa potencialidade toda. O Vista faz coisas que não só não imaginamos, como nunca vamos precisar até ao fim dos tempos (e sinceramente, não tenho interesse nenhum em saber o que são nem para que servem, é como se fossem centenas de GPS que eu gostaria de libertar da memória do computador). Está sempre a pedir-nos licença para fazer tudo. É isto ser inteligente?
A curiosidade nisto tudo é que se abandonou a arte, a vida imita o Windows, o Windows imita a vida. Somos processadores. De imagem, de texto de ideias, de bases de dados, de folhas de cálculos, de bibliotecas mp3 ou mp4 ou de surfistas do myspace. Substituímos os neurónios pelo chip alheio. Os neurónios ficaram vazios de funções mas não se recandidataram, deixá-los, dá muito trabalho, já imaginaram se tivéssemos realmente tempo para pensar nas coisas importantes...
Como como o mundo mudou desde 1984, não necessariamente para melhor ou pior, mas para mais estranho, decerto. E sobretudo o que acontece quando uma coisa falha. O Vista já não responde bem ao control-Alt-delete. Bloqueia. Desesperamos. Acabamos por fazer aquilo que provoca enfartes aos informáticos. Desligamos directamente o sistema da fonte de alimentação. Segundo consta, vai criando erros irreversíveis no sistema. Há alguns anos, os computadores tinham um botão de reboot, para além de outros terem atrás um on/off de segurança para além do principal. Hoje não têm. Deitam-se fora e as impressoras gastam rios de petróleo.
Nós gastamos rios de petróleo e deitamos fora tudo aquilo que nos parece incoerente, ridículo, velho, estúpido, ultrapassado, déja vu, e também, às vezes, que já não funciona. Mas deitamos fora para onde? Não interessa, para um sítio ecológico qualquer que financie os produtores de petróleo, aquela coisa que segundo as previsões de 1984 devia acabar entre 2010 e 2030. Tenham muito medo. Não há plano de contingência na crise, na política, na economia, no capitalismo, na saúde e na doença, na tristeza e na alegria. Simplesmente não há. É como o tio Bill, deixar andar.
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