Pedras Rolantes

"A vida é aquilo que acontece enquanto estás demasiado ocupado a fazer outros planos" John Lennon



"You can't always get what you want, but sometimes, yeah just sometimes, you can get what you need" The Rolling Stones



domingo, agosto 23, 2009

shummertime


este rio que eu canto

Ai, ai, esta vai ser curta mas boa. Junho, CCB. 2 noites seguidas de aplausos de pé. Camané acompanhado por Mário Laginha, Orquestra Metropolitana de Lisboa, e o seu trio do costume.
O pobre Laginha vinha de pé engessado, de modo que não pode contorcer-se ao piano como é costume, mas a música foi uma maravilha. Música e letra, por acaso. Chamam ao Camané "príncipe do fado", dizem que é ele o herdeiro da Amália.
Discordo por completo:
1º, a monarquia está em desuso, ele é bom porque tem boa voz, dó de peito & ainda... belíssimo trio de acompanhantes, sendo que não deve ser comum um contrabaixo no fado... uma escolha dedicada de letras e músicas.
2º ele não é fadista, ele canta bem qualquer coisa e tem um timbre particular (Humanos, António Variações, Xutos!); correndo o risco de ser chacinada em praça pública -ah brandos costumes, poucas ofensas...- digo que o Variações foi um grande fadista. Verdade! Que dizem as suas letras se não fado?
3º não tenho respeito nenhum pela Amália, pelo simples facto de nunca a ter ouvido cantar. Ponto. Aquilo já não era cantar. Quando era nova cantava, mas onde é que está o superlativo da coisa? Melhor que todos os outros fadistas da mesma geração? Não me parece...
4º isso desfaz os supostos herdeiros, que têm a sua própria atitude e não se convêm com o antigamente.
Bem sei que é ano de homenagem (fúnebre), 10 anos sem Amália...para aproveitar a boleia da candidatura do Fado à UNESCO. Os cámones gostam, os nacionais é conforme. Eu gosto de alguns intérpretes, de outros não, tanto no masculino com no feminino e o Camané tem tudo a seu favor. Não precisa de ser o capo de tutti capi. Basta cantar.
O fado é um poema de desespero em que alguém pegou, lembrando-se dos velhos minaretes do Al-Andaluz, para cantar os seus males e para, chorando, não os espantar.

balzaquiana-do-meio



Estou a tentar não perder demasiado o fio às coisas sobre as quais queria escrever. Para além do tempo e da disponibilidade, agora são as mão que não deixam. E depois dizem que a idade não traz maleitas...só se for a mental, pq os intas infelizmente notam bem a diferença em relação aos intes, gandas malucos.

Até serve de mote, por acaso, ao sr Balzac. Confesso que o grosso da minha leitura não deve ser francófona, embora me tenha esforçado por ler muito em francês quando fiz o dito curso. Mas ler em francês não quer dizer que o autor seja francês, n'est-ce pas? Também devido à paixão familiar por Tintim e Astérix, não posso dizer que não tivesse entrado em contacto com... belgas francófonos (e Brel, patati, patatá...) e com A Obra O Principezinho. Não sou da geração Condessa de Ségur, mas apanhei-a felizmente em banda desenhada - desconfio que se fosse de outra maneira, tirando o Cadichon, tinha sido demasiado o xarope. E as incontornáveis Cartas do Meu Moínho.

Chega-se assim à conclusão de que não passei a minha juventude a ler aquele imenso historial servido a prestações que é chique dizer que se leu, "À procura do Tempo Perdido" de Proust. Só o título diz tudo. É difícil investir numa "enciclopédia" em dez volumes, quando há muito mais para fazer e para ler. E já fico aborrecida quando leio um livro que não gosto, acho que fui enganada e andei a perder o meu tempo - note-se bem que sou eu que insisto em ler a zurrapa até ao fim, com a esperança de uma pontinha que se lhe pegue. Daí que deteste o Murakami.
Não conhecia muito de Balzac, tirando que ele era um bom cronista do seu tempo. Andei avidamente á procura de A Mulher de 30 anos.

Será preciso repetir aquilo da FNAC, dos editores, distribuidores etc? Deixaram acabar a única edição portuguesa. Então, fui ao amazon.fr e comprei a edição de bolso. Tout simple. Nem a FNAC portuguesa tem livros em francês sobre autores franceses... Bem, a livraria internacional é um escândalo de disparates. Para encontrar alguns livros em espanhol foi um desastre (e acabei com um punhado de Nerudas, Llorcas e Garcia Marquez, que original).

Estava a meio da leitura em francês, quando aparece na Worten, mais uma vez agradecimentos ao Belmiro, uma nova edição a preço de estalo (vulgo, para as massas, como as outras edições do Continente - Portugueses, Mark Twain, Sherlock Holmes, Steinbeck, Camus e Hemingway a preços módicos, 4 ou 5€. Certo é que os livros não se desfazem e a tradução é boa (ao contrário das Holdings da escrita, que agora editam livros cheios de compassos que haviam de ser bússolas...)

Balzac é, na realidade, um bom cronista do seu tempo, que gosta de esmiuçar e esmigalhar os gostos da aristrocracia da época (não sei se a burguesia o interessava), e faz o possível por torturar a sua pseudo-heroína, justamente por não passar de uma coquete, ou seja, não pode ter um caso feliz (nem chega a "um quarto de romance" em resposta ao quase romance de MST) e definitivamente não pode ter uma morte sensível, tuberculosa, genial. Tem que morrer a ver historiazinhas a repetir-se, velha e quebrada -aos 50 já se é velha e quebrada...

A "mulher balzaquiana" vem na wikipedia, os brasileiros adoram esta expressão! Desconhecia o lado erudito do país irmão.
Balzac não gosta delas tenrinhas e de pouca idade, porque são honestas mas ignorantes, acima de tudo chateiam (ie, não desgrudam), e têm aquela triste ideia de "se apaixonar". Aos 30 anos (em 1800 e tal) já estão todas casadas menos as tias que foram para o convento, logo, são todas aproveitáveis. Estou a ser mázinha. Não, estou a aplicar o ponto de vista masculino!
Algumas delas são aproveitáveis, interessantes, inteligentes, já sabem que a vida não são rosas e sonhos (e geralmente estão tão fartas do marido como vice-versa), poderão ser ainda mais bonitas do que quando demasiado jovens, embora vestindo-se com recato mas sugerindo algo mais na sua simplicidade elaborada. Finalmente, Balzac estava apanhado por mulheres de 30 anos pequeninas, mas bem feitas, de longos cabelos escuros e olhos escuros (sempre fugiu ao cânone renascentista), generoso decote e belo pescoço (o homem passava-se por pescoços...).
Assim temos que Julie, a pobre coitada, aos 30 anos era magnífica (por fora, por dentro roía-se de penas) e o candidato Charles de qualquer coisa, de 30 anos também, era um garoto. Acabou-se o feminismo, pas de question. E então à desgraçada que passar dos trinta e chegar aos cinquenta já não lhe arranca um único elogio. Está visto que passou de prazo.

Por isso tenho pena que Balzac tenha dado um nome inadequado a uma quasi-comédia quasi melodrama de costumes para meter a sua farpa na sociedade e contar toda a história de França de permeio, e deixe tão pouco tempo para Julie ser uma pessoa real, em vez de um amontoado de equívocos do princípio ao fim. 30 anos, sim, ela teve-os, mas por muito poucas páginas. E não me parece que tenha sido uma experiência fascinante.

Se Balzac era o escritor das mulheres, havia ainda muito de tradicional entrosado nos seus juízos, pelo menos neste livro em particular. Não gostei de Julie, logo isso tira-lhe muito a graça. Não nego que escreva bem e tenha bom gosto nas senhoras de 30 anos, mas para as miúdas de trinta e tal, sabe ridiculamente a pouco.

quinta-feira, agosto 20, 2009

actos, palavras & omissões

Beautiful / Elvis Costello feat Gregory House @ YouTube



Dear God / Sarah Maclachlan @ YouTube (lyrics)



Somos belos, não acreditamos totalmente em Deus, mas Ele persegue-nos - ou nós a Ele?

Ou melhor ainda, a nós mesmos. Let us grieve, and sing. Debaixo da árvore da Ciência do Bem e do Mal que inventamos todos os dias. E acordamos.
(d 365+1)

quarta-feira, agosto 19, 2009

translacção, 1

Kip's Lights - cena de o Doente Inglês @ Youtube


O Doente Inglês já foi há tanto tempo... Frase estranha, como pode um filme "ser" ou "ter sido"?
Resposta, se nós o tivermos, mais que apenas visto, ouvido e sentido. Teve a oportunidade de juntar um ensemble que foi mais que a soma das partes - o livro, vencedor do Booker é claramente inferior - a música, clássica, dos anos 30, de Gabriel Yared, mistura-se muito bem; o décor, Norte de África, Itália, grandes planos aéreos (África Minha), a luz, a fotografia, a montagem; os contextos, pessoas que têm uma história própria para além da guerra, afectada ou afectável, o doente, que pode não ser inglês, e sobrevive à custa de morfina enquanto aguentar as suas próprias memórias; a enfermeira que toca piano, a quem todos morrem; os objectos de afecto que são secretamente desesperados (no livro, o Kip também morre).
O par contudo, em descontínuo temporal, é Laszlo/Hanna (Fiennes/Binoche). São eles que sofrem por aquilo que não conseguiram evitar. Esta cena do filme em que Kip arranja uma maneira "radical" para Hanna apreciar os frescos italianos é divina e devia ser vista em modo fullscreen, às escuras. É absoluta poesia. O conjunto todo é. Marcou-me numa altura importante, estava a passar dos anos básicos para os clínicos na Faculdade, estava quase com o Proficiency do Cambridge, conhecia pessoas novas, e chorei chorei chorei chorei absolutamente baba e ranho com este filme. Comprei logo o CD com a banda sonora original, ouvi ouvi ouvi, sei lá, é linda.
Pensar no filme na história, nas personagens, deixa-me logo de canto do olho húmido. E ver agora, sim agora, o Ralph Fiennes tão...novinho. Mais novinho só na Lista de Schindler a fazer de encarnação do mal, mas tão bem. Era nessa altura mais novo do que eu sou agora. Suponho que n' O Doente Inglês deveria ter a minha idade. Aquele timbre de voz é inalterável, mas por exemplo, n' O Fiel Jardineiro está ainda melhor, benzó Deus, há gente comó vinho do Porto. (A administradora do blog vai desviar-se do assunto principal e suspirar, 'Ah, bonzão...' e logo de seguida acrescentar, muito bem acompanhado pela Juliette Binoche).
O assunto é a memória, ou os recantos em que ela se perde quando lhe dão asas? No meio de tanta tragédia somada, não nascerá nada mais que a tag line do filme ("in memory, love lives forever")? Acho que sim, o final de um bom filme é sempre aberto qbp a nossa interpretação pessoal. Nascerá tudo o que nós quisermos.
Por isso faz tão bem ver e recordar filmes assim.


É como se o tempo nos fizesse mais espertos. É como quando estamos mais ocupados é que conseguimos resolver mais coisas. É como se tivesse que mudar tudo de sítio para chegar de novo ao princípio, mesmo que o princípio seja completamente diferente, mesmo que o princípio seja completamente igual. É começar.
(+365)

segunda-feira, agosto 17, 2009

pequenos tesouros






Não ocupam espaço na estante e a lombada (fina) gasta-se. Mas são bons. A Fnac, numa das suas ideias ribombantes, não para por portugueses a alfabetizarem-se, mas para dar cabo do stock, vendeu-os na sua feira do livro pela módica quantia de 1,5€ ou 5 a 5€.
As coisas boas são maneirinhas e não têm preço, tal como estes livros da Quasi. Henry James, Thoreau, os russos do costume que só conhecemos daquelas sagas em 40 volumes, com pequenos contos extraordinários.
Tomando uma frase de empréstimo, " a beleza não está nos olhos de quem vê, mas no coração de quem a tem", acrescento também o prazer de ler estes pequenos tesouros que passam tão despercebidos aos leitores & editoras portuguesas.

diário mínimo

Há uma mudança. No subtítulo.
Na primeira encarnação, a frase não tinha pontuação, aparecia tal qual como citada pelo John Lennon (entretanto, parece que um grupo de fervorosos crentes brasileiros o designou como reencarnação de Satã - uma de várias -, que insultou o altíssimo ao declarar que os Beatles eram mais conhecidos / mais importantes / qualquer coisa como isto, que Deus).
Depois apareceu o Tim Robbins pensativo, depois de um dia a trabalhar no telhado da prisão de Shawshank, Nova Inglaterra, e achei interessante passar o tom de declarativo para interrogativo.
Entretanto, o tempo passou, uma constante (variável) cosmológica tão importante como a Lili Caneças e, se é verdade que o que não nos mata nos faz mais fortes, ou que com a idade há-de vir inexoravelmente mais experiência (pelo menos para mandar bocas), re-institucionalizei o "About my blog". Agora é afirmativo. E na afirmação acaba por ceder, não ao acaso nem ao planeado, antes à sua suprema mistura, como claras em castelo, qbp.

sexta-feira, agosto 14, 2009

la p'tite danseuse

Queria ser bailarina, é sonho de menina, com laços e caracóis

mas também queria ser "buga", sonho que, confessa, não conseguiu atingir

a Avó Palmira, de olhar enviesado estilo Gioconda (está a olhar para nós de qualquer lado que estejamos), e ela, grandes laçarotes, de frente para a alma do fotógrafo.

Não sei que idade teria, sinceramente terei de lhe perguntar, talvez 3 anos?

e Mãe, digo-te eu,
isto é amor.
Assim de repente, andar tantos anos (em verdade a memória é a única máquina do tempo que possuímos, apesar de não nos parecer que consiga andar para o futuro)... De tudo o que acontece, de tudo o que pode ser fabricado, irado, inventado, baralhado e desaustinado (este post não foi escrito neste dia nem a esta hora, a que tu nasceste, cada 365 dias e 6h), há o que passa, e há o que fica. Somos muito parecidas, em muitos aspectos, eu sei.
Mais do que tudo, e aqui está o verdadeiro elogio que precisa de uma certa maturidade para ser sério, se te conhecesse e não fosses da minha família, absolutamente nenhum parentesco (livre de hormonas, ferormonas e instinto maternal), gostava de ti à mesma, sei-o intrinsecamente, no caso de por coincidência não teres sido tu a educar-me e a dar-me o exemplo, eu saísse tal qual como sou.
Engraçávamos à mesma, pronto. Não ia ser fácil, porque te manténs muito à defesa com desconhecidos, embora afável. Mas se nos conhecêssemos, eu cutucava o teu lado felino com o meu lado felino. O meu lado felino é bastante tonto, mas muitíssimo eficaz. Eu sou dos gatos desbocados que se chegam e pedem festas, se vêem que o ambiente é propício, mas que também gostam que as festas sejam terapia do pêlo para quem as dá, tanto quanto gosto de passar a mão pelo costado do felino alheio. Haverá melhor spa do que spa com gato?
Isto sim, é qualidade de vida.

quarta-feira, agosto 12, 2009

intermission

"Se me comovesse o amor como me comove
a morte dos que amei, eu viveria feliz. Observo
as figueiras, a sombra dos muros, o jasmineiro
em que ficou gravada a tua mão, e deixo o dia
caminhar por entre veredas, caminhos perto do rio.

Se me comovessem os teus passos entre os outros,
os que se perdem nas ruas, os que abandonam
a casa e seguem o seu destino, eu saberia reconhecer
o sinal que ninguém encontra, o medo que ninguém

comove. Vejo-te regressar do deserto, atravessar
os templos, iluminar as varandas, chegar tarde.
Por isso não me procures, não me encontres,

não me deixes, não me conheças. Dá-me apenas
o pão, a palavra, as coisas possíveis. De longe."
                                                                                                                               Francisco José Viegas

Se Me Comovesse o Amor

quarta-feira, agosto 05, 2009

santa joana princesa

Não é lá no fundo do céu estrelado que eu a pinto. É mais como uma aparição da Branca de Neve misturada com as expressões dos sete anões. Curiosamente, acho que ela tem uma relação especial com o filme e com os anões... Sem saber bem como, a última vez que a vi levava uma t-shirt da Women' Secret (ou da Oysho, não quero fazer publicidade enganosa) com o dorminhoco, a abrir a boca, a espreguiçar-se com aquele ar característico.

Ela achou piada, atrás dos olhos e cara inchada, atrás de um corpo que já não respira, de um cérebro a ficar estreito. Eu disse-lhe que ele estava como ela, a precisar de descansar e de se espreguiçar muito. Ela concordou, mas já sabia que não se iria espreguiçar muito e o descansar já não seria neste reino.

Levámos-lhe palhaços - ela foi Palhaça de grandes sapatos vermelhos. Ela olhou embevecida para os palhacinhos, como se fossem já de outra vida, de uma encarnação passada e boa.

O tempo passa. Não sei como passa para as pessoas que o sentem sumir-se como se se tornasse num sono profundo e incómodo em que se esquecessem de respirar. (A princípio não a reconheci, coisa de 30 segundos; depois relembrei-me das faces de outros tempos, outro hospital, e entrei na negação racional do médico - a pessoa é a mesma, quem não a reconhece não sabe o que se passa lá dentro, a cara é a mesma).
Só que a cara não é a mesma, é a de alguém "in limbo", entre cá, lá e esse sítio incómodo chamado talvez não exista por muito tempo. Triste, sem capacidade de controlar a própria vida, mas disfarçando com força.
E as coincidências que teimam, porquê? Porque é que os conhecidos tornam alguns dias dupla ou triplamente fatais, semanas arrasadoras? Últimas vontades, Santa Joana, a Princesa. Ela não era Joana (mas é o nome da filha), mas era Princesa, velada na igreja do mesmo nome, que eu só conheci como conjunto amorfo de tijolos de estilo moderno. Pelas capelas, imagino, que a igreja por dentro até possa ser bonita.
A ironia das vizinhanças das avenidas novas onde eu, desde pequena, adivinhava prolongamentos do aeroporto pela Gago Coutinho até chegar ao Areeiro. Os aviões planando tão baixinho de manhã pela 2ª circular (não param nunca). As pombas e os Donas Elviras do Rossio que já não há. Santa Joana, que fará na Estados Unidos da América? Não conheço a história.
Mas é perto decerto, de toda a família e da sua casa, tudo á volta de Alvalade, Roma e EUA. Uma família grande. Pais que enterram uma filha enquanto deveriam brincar com os netos. Pais que a vida envelhece e entristece por sentirem que o trabalho está feito e já os dispensa, porque já dispensou a filha pródiga. Que vêem uma vida construída andar para trás.
Santa Joana, a princesa, que não acreditava ponto, mas quis ficar com um anjinho da guarda. Não quis missa e foi cremada num dia quente demais nos Olivais, com cheiro a incêndio e estilo bunker minimalista de Auschwitz.
Suponho que será por isso que tanta gente fica incomodada ao pensar em cremação. Nunca tinha assistido. É insípido. Estava muito calor para tanto luto. E no entanto, foi na mudança do tempo que eu senti (ou me pareceu) que a íamos perder.
Uma luz que se perde. Porque será que vida é tanto o sinónimo de Luz? Dar à Luz? A luz que se acende nas velas que ela adorava. Santa Joana. Fica em paz, porque o resto de nós quer ter essa mesma certeza. God Speed.

domingo, agosto 02, 2009

absolut python

Já vai para que tempos que ando para escrever sobre este bando. Conheci-os, salvo seja, para aí aos 12 anos (sou portanto, uma second rate python, ie Bean e Blackadder antes de PythonFawlty Towers, um pouco, e Allo Allo, muito).

Já me tinha fartado por essa altura de ver o telejornal, embora as opções fossem limitadas - 1986, antes da febre do serviço público, paranoicas e cabo. Por consequência, via a essa hora a RTP2 deliciando-me com a 5ª dimensão, Hitchcock apresenta, Uma Família às Direitas... Um dia de Verão houve em que uma destas faltou, já não me lembro qual, e apareceram os Malucos do Circo.

Depois de vários pensamentos "mas que diabo?", fui-me tornando fã, não fatalmente, mas fã. Só há relativamente poucos anos vi todos os filmes que eles vieram a fazer, de culto absoluto, embora quando passei pelo Cambridge fossem já uma referência bem presente para todos os aprendizes de bife bem passado.

Vem isto a propósito dos Monty Python à Portuguesa, muitíssimo bem, por ordem decrescente de altura, Bruno Nogueira, António Feio, Miguel Guilherme, Jorge Mourato e José Pedro Gomes; não via outros tarados a fazerem este tipo de comédia, assim como o Nuno Markl a alindar os textos. Acho que foi no ano passado, única vez em que entrei no Casino de Lisboa. Foi mesmo bom, porque nenhum deles se faz passar por nenhum dos originais para efeitos de piada.

Porque realmente, pegando no busílis, que são dois livros, A Filosofia segundo os Monty Python e Monty Python por Monty Python, fiquei um bocado shaken, e muito stirred.

O primeiro livro, quem somos, para onde vamos, versão de interpretação séria de humor britânico, consegue provar que um bom Python, se quiser, até prova as causas de existência (ou desistência) de Deus (conforme estiver para aí virado).

O segundo é estarrecedor. A voz é dada aos próprios, upper middle class Oxford & Cambridge  + um americano. Comparam-se aos Beatles. Hélas, não podem uns com os outros, desde sempre. Foi assim que funcionou. Oxford (Palin e Jones) contra Cambridge (Cleese e Chapman), mais americano de artes plásticas desertor do Vietname, pró-Oxford (Gilliam) e ainda the silly bitch que sempre deu pª o lado que lhe apeteceu (Idle). Nunca se deram bem. Da discussão nasceu estranhamente a boa luz, a piada SEM o punchline, o humor que transformava o real em absurdo...

Foram todos "irmãos" de cursos falhados, penso que Palin e Jones de Letras ou História, Gilliam de Ciência Política (?), Idle nem sei de quê, Cleese de Direito e Chapman de Medicina. Todos concordam que Chapman era um génio (quase sempre em trip alcoólica) porque Chapman está morto. Depois, atiram-se uns aos outros, excepto Palin e os seus diários, que tentava por todos de acordo. Eventualmente, após 4 bons filmes (Cleese discorda), cheios de royalties, deixaram de se aturar, ponto. Cleese ficou no registo de humor BBC, Idle passou os Pythons para a Broadway, Palin já deu várias voltas ao planeta na horizontal, vertical e diagonal pela BBC, Jones compõe música, gosta de Portugal e faz documentários sobre História, e Gilliam realiza filmes, uns fantásticos (Brazil, O Rei Pescador, Os Irmãos Grimm), outros que não vêem a luz do dia.

A soma é melhor que as partes? Foi diferente. Foram realmente os Beatles da televisão? Isso, e muito mais, cativaram audiências britânicas e americanas (os conservadores passaram-se), e, mais importante que isso, as piadas, a mensagem (subversiva ou o que se quiser chamar-lhe) estão mais fresquinhas que se tivessem nascido hoje.

Digo mais. Hoje ninguém tinha um pingo de cabeça para atinar com elas. Essa é que é essa.
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