Pedras Rolantes

"A vida é aquilo que acontece enquanto estás demasiado ocupado a fazer outros planos" John Lennon



"You can't always get what you want, but sometimes, yeah just sometimes, you can get what you need" The Rolling Stones



quinta-feira, maio 20, 2010

Fadas e Flores (14/08/1992)

As flores são fadas e as fadas são flores.

Quando raia o Sol, elas abrem-se. Do seu perfume emana o Céu, a Terra e o Mar.
Das sementes do seu ventre esvoaçam pequenos rebentos de Vida e de Luz. Do seu pólen jorra o pó brilhante e o Mel que nos alimenta.
Quando a Lua se espreguiça nas estrelas, elas recolhem as suas pétalas, inventam Asas, Magia e Varinhas de Condão. Como luar, voam pelas noites dos Sonhos, cantando baixinho, quase em murmúrio, aquela canção de embalar que nos leva para longe destes mundos...

Foi assim que ele acordou manhã cedo, lusco-fusco.
Olhou para o quarto, nada lhe parecendo minimamente familiar: só se lembrava de danças, flores, sonhos e “lullabies”, e os dentes aguçados dos seus bonecos-despojos de guerras, esquecidos no chão, pareciam atordoá-lo ainda mais.
Assustado, saltou da cama e abriu a janela. Após curta descida pela trepadeira ( não seria um pé de feijão? ), caiu em cima da relva, ainda fresca do orvalho.
Dirigiu-se para o jardim perto de casa, mal refeito do susto, do sonho, do pesadelo de acordar entre quatro paredes em que o Rambo, o Exterminador Implacável e os aviões de combate pareciam tomar vida e sair dos posteres, querendo asfixiá-lo. Parecia-lhe ouvir, por entre as árvores, os rodopios e murmúrios das flores voltando ao seu leito verde de relva.
Percorreu atentamente os canteiros, até encontrar o que procurava, aquelas que quase pudera tocar, cheirar e abraçar, aquelas que cantavam e voavam no seu sonho. Pegou nelas e separou-as suavemente da sua terra Mãe.
Enquanto corria com as flores, rosas e violetas, tulipas ou miosótis, orquídeas, papoilas ou malmequeres e brincos de princesa, saltitando nas pequenas mãos, reparou que já eram oito horas.
Subiu, e sentiu-se diferente. Sempre agarrado ao singelo ramo de flores, arrumou as Tartarugas Mutantes, o Rambo, as disquetes e o GameBoy.
Em seguida, lavou-se e vestiu-se a preceito: sapatos abotinados ao bom estilo inglês, peúgas xadrez escocesas, conjunto calças e casaco muito Guido Armani, camisa e lacinho condizentes, indispensavelmente italianos, suspensórios e um pequeno cinto disfarçando a largura das calças, cabelo com um penteado simples, retocado, e o imprescindível cachecol, que daria todo o charme a um rapazinho de oito anos.
Com um ramo já bem arranjado, foi colocar-se à porta de entrada. Escondendo as flores, tocou à campainha. Mal se abriu a porta, ele gritou “Parabéns! Toma, Mãe, estas flores são para ti. São bonitas como tu e fazem-me lembrar-me de ti. São tão bonitas e boas que quero dar-tas, para elas te fazerem companhia, e para tu lhes fazeres companhia a elas. Mãe, sabes, elas à noite adoram canções de embalar...”
A Mãe, comovida e feliz, aceitou o ramo que agora brilhava e abraçou o filho - “Gosto tanto de ti !”.
A verdade é que ainda hoje, e já passaram alguns anos, as flores que rodopiavam e dançavam, ainda lá continuam, na mesma casa, na mesma jarra, sem mostrarem sinais de querer murchar ou de se ir embora, talvez pela companhia, pelas canções, pelo carinho, pela Magia...
Talvez porque as fadas que são flores, ou as flores que são fadas precisem realmente de uma mão de Fada amiga, que as conforte e proteja, e que seja como elas, embora não podendo voar pelo céu e pelas estrelas, rodopiando nos sonhos. Por isso é que, como as flores, todos os que têm a sorte de ter essas fadas por perto sabem como é bom adormecer com uma canção, quando se passa para o outro lado do sonho. Porque as Mãos de fada que nos embalam são Mãos de Ouro, Mãos de Mãe.

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(faltava um mês para fazer 18 anos... estava na faculdade, parece tão longe)
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