Resumindo uma longa saga, várias vezes durante o tempo de faculdade (algumas até quase por pedido da minha Mãe, "afinal ele é teu pai"), tentei as tais aproximações. Para ele tinham sempre água no bico e fazia questão de acentuar com cobras e lagartos os maus caracteres que sempre foram a minha Mãe e Avó, apesar de eu frisar que não queria estar no meio de uma guerra nem ser mensageira.
Ao longo dos tempos, teve sempre citações felizes. A primeira, que eu ouvi quando tinha 5 anos (peri-divórcio) era de que eu não devia ter nascido. Passou o restante tempo de antena que algumas vezes lhe dava a dizer que estava fora do contexto.
Fora do contexto como? Não estava a haver uma discussão quando entrei no escritório, ele olha para mim e diz isto. Pá... eu tinha 5 anos... Era. Melhor. Não ter. Nascido. Porque os meus pais claramente já não se amavam quando me conceberam. Dava psicanálise para a vida inteira. Dá psicanálise para a vida inteira. Dá para sentir aquele bocado de coração que diz Pai cheio de coraçõezinhos a mirrar ou a entrar em arritmia. Dá para sentir raiva devagarinho até ser muita.
Fora do contexto como? Não estava a haver uma discussão quando entrei no escritório, ele olha para mim e diz isto. Pá... eu tinha 5 anos... Era. Melhor. Não ter. Nascido. Porque os meus pais claramente já não se amavam quando me conceberam. Dava psicanálise para a vida inteira. Dá psicanálise para a vida inteira. Dá para sentir aquele bocado de coração que diz Pai cheio de coraçõezinhos a mirrar ou a entrar em arritmia. Dá para sentir raiva devagarinho até ser muita.
Outra citação feliz foi de que os filhos são um investimento. Perante o que já foi dito, não tenho nada a acrescentar.
E penso que para finalizar a trilogia foi ele que inspirou no meu subconsciente a ideia de que se o Tomás (o meu irmão mais velho, que nasceu morto com uma circular de cordão) tivesse vivido, não teria havido Patrícia. É estranho, porque desde que realmente "concretizei" a figura do Tomás (coitado, como o Almirante Américo, e eu era a Gertrudes -modelos ancient régime...) na adolescência, como alguém que apesar de não ter nascido / vivido (muito menos comigo, que nasci ano e tal depois), ele existe algures e por vezes "penso" com ele, e nunca o senti como "inimigo" ou competidor.
E penso que para finalizar a trilogia foi ele que inspirou no meu subconsciente a ideia de que se o Tomás (o meu irmão mais velho, que nasceu morto com uma circular de cordão) tivesse vivido, não teria havido Patrícia. É estranho, porque desde que realmente "concretizei" a figura do Tomás (coitado, como o Almirante Américo, e eu era a Gertrudes -modelos ancient régime...) na adolescência, como alguém que apesar de não ter nascido / vivido (muito menos comigo, que nasci ano e tal depois), ele existe algures e por vezes "penso" com ele, e nunca o senti como "inimigo" ou competidor.
Ele sempre quis ter um filho, sublinhando o O. Devem ser coisas de macho com defeito. As circulares de cordão e os abortos no fim do tempo são frequentes na família dele. Numa perspectiva puramente darwiniana, deve querer significar que o pool genético dele é tão fraquinho que a natureza o queria impedir de deixar descendência (eu também tinha circular de cordão...). Esta foi má. Como ele.
Últimos tempos. A função pública dispensa-me. Ele, assim espontaneamente (afinal com grande empurrão materno) oferece-se para me ajudar com 1000 euros por mês até arranjar emprego. Como ele não fazia a mínima ideia do que é que eu era (em termos médicos), foi atirando por carta porque é que eu não fazia uma especialização no estrangeiro, um mestrado, uma treta qualquer.
Desde a última vez que pus os pontos finais na conversa, há oito anos e tal, nunca mais lhe dirigi a palavra. Fui fazendo a tal parede. Pelo menos para dentro, para mim é uma verdadeira lástima, é tal e qual o muro das lamentações. De fora ele não vê, mas lança granadas, para mim, para ferir a minha mãe. Porque o facto é que para ele eu sou uma coisa chata no meio do caminho que sempre foi aproveitada para fazer mal por procuração. Ele prefere fazer a mim o mal, porque percebeu que isso atingia muito mais a minha Mãe do que algum mal que lhe pudesse fazer a ela. Apetecia-me dizer agora, mas que besta de homem é este?
Portanto, o tempo passou e o emprego não apareceu de mão beijada. Os 1000€ devem fazer-lhe uma falta tremenda, uma vez que já não tem dependentes para tratar. Depois deu-lhe uma coisinha má e teve que fazer um bypass (certamente porque eu não arranjava emprego, a arteriosclerose cerebral deslocou-se toda para o coração). As cartas mensais e sms à minha Mãe continuaram cada vez mais idiotas e contundentes. Eu não falo, só choro quando vejo a última idiotice anexada ao cheque que vem pelo correio.
Sou uma vendida, ele comprou o meu silêncio. A minha vontade era de gritar, de o esganar, sei lá o quê. Desta ultima vez quase não houve 1000€. Veio só carta a dizer que eu não lhe falava porque tinha um orgulho besta e que a minha obrigação como filha era tomar conta da saúde dos meus pais (logo arranjar um emprego e não viver às custas deles, ó tosca), arranjando uma história arrepanhada de como se importava com a saúde da minha Mãe que não tomava medicamentos por minha causa.
Não tivessem havido já gotas de água suficientes para transbordar o copo. A vontade de ser mesmo violenta em palavras actos e omissões. A vontade de. Chorar. Preciso do dinheiro porque não dei consultas. Quando dou consultas, é a soma dos dois que equivale ao que um médico especialista deveria ganhar de ordenado base, portanto, que sobe a bitola dos indispensáveis para algumas coisas que gosto. Sou. Uma. Vendida.
Tenho que cauterizar o coração que diz pai, não bate junto com o resto, agora é tudo por cateterização e laser. Essas fibras têm que morrer antes que a arritmia passe a fibrilhação e seja o resto do coração e de mim a serem desfibrilhados por causa de um homem que me insulta sem saber sequer quem sou.