Pedras Rolantes
"A vida é aquilo que acontece enquanto estás demasiado ocupado a fazer outros planos" John Lennon
"You can't always get what you want, but sometimes, yeah just sometimes, you can get what you need" The Rolling Stones
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segunda-feira, fevereiro 14, 2011
500
Eufeméride é mistura de efeméride e eufemismo. Lá vão 500. É preciso continuar a rodar. Com as devidas vénias à estrela Carl, numa galáxia perto de si.
(So far, yet so close.)
"Whoever saves one life...
... saves the world entire."
É um provérbio. É uma tagline. Deste filme, A Lista de Schindler, que terá levado tanta gente a sair da sala por não aguentar tanta realidade por metro quadrado, tão perto (e é "realidade" ficcionada). Não me chocou, porque já sabia ao que ía; já tinha lido, já tinha visto documentários e a série Holocausto.
Posso afirmar "nasci bem depois das guerras". Posso? Elas existem, não são é do conhecimento público, talvez porque uma particularidade que faltou a Hitler et al foi a discrição ou o andar ratoneiro e subreptício. Para quê empregar a força toda, quando se tem a realpolitik, o gozo do Conselho de Segurança da ONU (sim, hoje mesmo, não sabem sequer o que dizem), o poder de insinuar, de desviar as atenções, de aterrorizar?
Mas isto desvia-me do essencial, uma sequência que foi iniciada mas não encerrada. Os meus finados. Falecidos. Reanimados. Reavivados. Diz que é uma espécie de Ciência, esta Medicina. Mas não é.
Sinto-me mais uma vez espectadora do sinistro capitão (ou coisa) que faz exercícios, flexões, fuma um cigarro, acerta a mira e dispara á vez, não na roleta russa, mas nas pessoas, prisioneiros, ao calhas no campo de visão. Caça, presas fáceis. Medo.
Temos sempre medo daqui que não podemos controlar. Testaram-no em cães, com choques eléctricos (assim se desenvolveu a psicologia/ciências do comportamento) ao acaso. Tornaram-se ansiosos, desesperados. Porque não sabiam quando nem porque viria o próximo choque. Não os podiam evitar. Morriam loucos com a possibilidade.
Assim os dias que chamei acidentalmente de finados se passaram, com e sem finados. Injustos, caem um dia e não consigo ir buscá-los. Não são do meu rebanho. Vejo-os todas as semanas. Ajudo-os (quero pensar que sim) todas as semanas. Ficaremos fartos uns dos outros. Alguns não chegaram a ficar fartos. Foram-se embora. E se por vezes a morte pode ser santa, ou quase, noutros casos a passagem só acontece depois de tortuosos recortes técnicos inimagináveis.
Não gosto de perder pessoas; posso pensar que estão agora num sítio melhor. Não gosto de saber que sofreram por isso. Não gosto de saber que não há nada que eu pudesse fazer para o evitar, embora o meu conflito não seja com a morte, mas com a ausência, por um lado, e pelos danos imorais que se podem causar a doentes crónicos.
Não posso ser múltipla. Não posso estar em todo o lado. Não sou “super” nem aditivada. Ao mesmo tempo, salvei uma vida, salvámos uma vida, duas equipas, alguns fármacos, ambus e pás. Tive que ser voz de comando. Mas a voz de comando saiu-me, tal como as compressões e as desfibrilhações. Cenário real. Nunca pensei nisso, não me inebriou pensar nisso, “salvei uma vida”.
As vidas não se escolhem, não se trocam. Num sistema de contagem de cabeças, substituem-se depressa. O sistema recicla. Há muita procura. Quem caiu ontem deixou o lugar vago. Hoje está ocupado. Ser doente crónico está para além do que eu consigo descrever. Há um vómito cá dentro contra a maneira como se destratam as pessoas.
Como se estivesse todos os dias a ver se tudo corre bem, e atrás de mim estiver um atirador furtivo (que não me vê e que eu não vejo), à espera, na selva, pelo sinal de atirar.
(kiss my eyes and lay me to sleep)
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