(a propósito de uma coisa chamada Limbo que só cessou existência por decreto papal em 2007 e outras coisas de igual alheação que ocorrem todos os dias alegadamente por causa da conjuntura )
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Muito tempo andei eu a matutar, e como dizem os amigos anglo-saxónicos, a procrastinar. Curioso, é das poucas palavras em que eles se esmeraram na dificuldade. Procrastinar é adiar. Porque cada dia me submergem mais acontecimentos pura e simplesmente estranhos/ridículos/descabidos, ou serão antes comportamentos estranhos/ridículos/descabidos.
Numa altura em que o nosso Patriarca, em ruptura com a atitude do Vaticano já há vários Papados, decidiu dizer que é preciso ter cuidado com os muçulmanos. Que ele o pense, é uma coisa, que ele o diga à comunicação social que precisa sempre de um novo sound-byte, é um bocadinho diferente. Estava precisado dos 15 minutos de fama, como o cardeal britânico amnésico sobre o Holocausto?
É que eu aprendi sobre as atrocidades do século em que nasci ainda bem pequena, no "Era uma vez o homem". Anos 70? Já havia muita gente nascida depois da 2ª guerra acabar, inclusivé a minha Mãe. Enquanto se ocupava a nascer, os Japoneses restantes ocupavam-se da rendição incondicional. E ela não me ocultou informações nem fontes, embora não houvesse internet. É triste, não é, que na altura em que devíamos ter mais tento a aprender mais com os erros cometidos na nossa história recente, estejamos mais prontos que nunca a apagá-los da memória.
Pois eu sei, desde que me lembro, que antes de mim houve um Tomás (brincadeira com o presidente homónimo), ou por outras palavras, um primeiro bebé Luís (como eu fui), em Maio de 1973 (estrelinhas, touro & búfalo! estrelinhas, porque não quiseram?). O Tomás, agora convertido em Tommasino ou Tommaso (mais italiano e mafioso) não chegou a nascer, no sentido restrito em que quem nasce, nasce vivo. Foi um nado morto, porque tinha uma circular de cordão (como eu), que no caso dele foi fatal. Houve problemas com os médicos que nunca se resolveram, porque apesar de ele ter deixado de se mexer, não induziram nem logo, nem imediatamente o parto. Foi induzido electivamente, com uma espécie de anestesia inalada em voga na altura que deixou a minha Mãe fora de acção por várias horas. Como consequência, ela não conheceu o Tommasino. Soube que era bonito, perfeitinho, grande e bem nutrido, mas não a tempo.
Sempre vivi com um mano Tommaso numa estrela do céu. Apesar de não nos termos cruzado neste mundo, sempre achei que quando precisasse, ele lá estaria.
Variadíssimas dúvidas teológicas e zangas com Deus depois, ie, cerca de 30 anos, descobri mais uma idiosincrasia da Igreja que totalmente me repugnou. Atenção, as zangas com Deus são como as zangas com um amigo de quem se gosta muito, acabam sempre bem, agora as com a Igreja, são uma história diferente.
Tinha para mim que teria havido uma pequenita cerimoniazinha (católica) e enterro do pequenino. Acontece que os nados mortos não têm direito a ser cristãos. Não são baptizados. Não entram no majestoso reino dos céus...até 2007. Ou seja, o Tomás ficou no Limbo, sim , entidade de uso teológico, que não é o purgatório, mas uma coisa completamente abstrusa, entre 1973 e 2007, anno domini. Foi o actual Bento Prada que o salvou e salvaguardou a sua entrada no domínio do Senhor e das estrelas etc, abolindo o Limbo.
O Limbo é o "sítio" onde permaneciam os bebés que morriam antes de ser baptizados e as pessoas que tinham existido neste mundo antes de aparecerem os adoradores do Nosso Deus - marca registada - mas que tinham sido "boas pessoas", não tinham era credo. Parvoíce do tempo da Santa Inquisição ou antes, não sei, não me interessa. Não reconheço a qualquer Igreja terrena legitimidade para julgar como diferentes estas pessoas por não serem baptizadas. Reconheço sim a tacanhez e idiotice que levaram a que só em 2007, quase por decreto, o Limbo tenha sido extinto. Qualquer dia extingue-se metade da Divina Comédia, por decreto.
É ranhoso - é mesmo esta a palavra que quero utilizar-, que se possa pensar que um bebé não mereça a dita Paz Eterna; é legítimo afirmar que são eles os únicos que nunca fizeram mal a ninguém, nunca aprenderam a ver a ouvir, a falar, a respirar, o Tommaso não viu a cara da Mãe, embora ao menos a tivesse conhecido durante meses.
Creio que no sítio onde está ele nos conhece e não precisou desenvolver as faculdades biológicas que lhe faltaram, embora seja sempre um lindo bebé Luís, como eu.
(e aqui, apesar de muitas imprecações, a net desfez-se, levando com ela o resto do texto que o blog insistiu em não guardar)Não obstando, ainda estou furiosa com as cripto-ambivalências da Igreja. Que vão passando suavemente como lixo burocrático. Trata-se daquilo em que é suposto acreditarmos acima de toda a prova. A Igreja dos homens não tem lugar no meu coração, pelo menos em grande parte. Porque pelo menos em grande parte não existe senão como hierarquia, sem perguntas e sem respostas. É preciso duvidar para ter Fé. Provavelmente, é preciso duvidar muito, mas chega-se lá. Não com a doutrina instituída, no entanto.
Estudei em Colégios Católicos, fui baptizada ía para os dois anos, fiz o Crisma muito tempo depois de mo "oferecerem", já quando estava no internato geral, em 2001. E depois veio logo a crise de todas as crises, as torres, as pessoas calcinadas, escolher uma especialidade quando se teve uma branca quase absoluta no exame. Fui ao fundo. Ninguém me estendeu uma mãozinha, é habitual (este ninguém exclui a única pessoa de sempre ela sabe que eu sei que ela sabe), onde estava a Igreja de Deus quando eu precisei? Ocupada, está sempre ocupada. Até é difícil marcar uma confissão, quanto mais.
E digo mais, considero-me, tanto quanto possível, Cristã e Católica praticante, em actos e palavras, porque praticar não é ir ouvir a missa de Domingo e apanhar uma estucha. É óbvio que depende do orador, o resto é sempre, tristemente, o mesmo. Devia ser um pitéu, quando eram dadas as missas em latim. Vou à Igreja quando quero, quando sinto necessidade, não necessariamente para assistir a uma eucaristia. Às vezes, a nossa conversa precisa de ser pessoal, mano a mano, sem rituais.
Faltam-me ainda as outras alarvidades que a falta de rede me comeu. O divórcio. Diz a Igreja dos Homens que os divorciados não podem voltar a comungar; diz a Igreja dos Homens que os divorciados não serão enterrados num terreno cristão nem com direito a celebração cristã. Porquê? Manifestamente também não pecaram. Irão para o Limbo? Não, que já não existe. Pecaram porque juraram que iam tentar ser felizes aos olhos de Deus etc e não foram? Bem, ao menos forma honestos em perceber que falharam, como a maioria de nós. Só que antigamente permanecia o status quo. Agora não.
A minha Mãe nunca se engasgou com nenhuma hóstia, nem lhe caiu um raio que a fulminasse numa missa. Porquê, oh irmãos em tudo iguais, filhos de Deus? Prefeririam antes, não digo uma estrela de David, que está muito démodé, mas um laço de uma cor que ainda não tenha sido usada para nenhuma doença. "Minha filha/Meu filho", deste pãozinho não levas. E para mostrar a outra face, a Igreja dos Homens arquitectou também a mais rocambolesca maneira de separar aquilo que Deus uniu, a anulação, tout cour (especializada em jet-set).
As alegações? Idiotices. Já me contaram de um senhor que anulou a ex-cara metade com filhos já crescidos e o Vaticano aceitou. Algum tempo depois, a anulada teve um choque frontal com uma árvore, mas deve ter ido direitinha e imaculada para o céu. Aceitar um divórcio é aceitar um erro das duas partes (o que muitas vezes é caso para longo contencioso- ora não devia ser aí que uma igreja humana deveria intervir, na não litigação, na resolução por comum acordo?), somos humanos, anular um casamento é proclamar ao mundo que nunca existiu nada, zero, niente. Em última análise não é pior que o litigioso? Não é a negação total e absoluta?
Infelizmente, para certos assuntos, parece que ainda é nessa negação que vive a Igreja.