Foi em Julho, se a memória não me engana, ainda inserido nas Festas de Lisboa, este ano com uma iniciativa paralela (cujo nome agora me falha) sobre transumância, a decorrer no cinema São Jorge.
Quando me chegou às mãos o programa das festas, tarde e a más horas -no ano passado, tiveram a delicadeza de o mandar pelo correio a muitos munícipes sortudos; este ano tive literalmente que o rapinar em terra de camones, ie, entre a Sé e o Castelo -, vi que havia Gaiteiros de Lisboa, e mais uns que não conhecia. Um deles era o Kepa.
O Kepa é uma espécie de rei da world music aqui tão perto, que curiosamente as lojas que vendem música (Fnac, Fnac, Fnac, ou Worten) fingem desconhecer. Online e ao vivo, pela graça de Deus, é possível desfazer o equívoco. Basta ir ao You Tube, e fica-se viciado. Literalmente. Ele tem um dom. E não só. Tem pelo menos um grammy, prémios internacionais e BBC world music, mais do que a Mariza se pode ( muito humildemente) orgulhar.
Nasceu em Bilbao, país vasco - que não só troca os vês pelos bês como as gentes do norte como também tem uma facção armada que gosta de mandar espanhóis pelo ar. Toca tritikixa, que é um acordeão diatónico basco (na verdade, a capacidade de expansão do fole aproxima-o da concertina) e traz consigo um grupo variado de músicos que aproximam a música tradicional ao jazz, pop e world com todo o ritmo, respeito e bom gosto. Entre os instrumentos destaca-se também a txalaparta, que é uma espécie de enorme xilofone de madeira em que se pode ir mudando os componentes. A explicação que eu dou é insuficiente. Aquilo dá um som, um ritmo, as ripas davam para fazer bom chão e dormir em cima, são percutidas também com madeira, só visto.
O Kepa, para além de ser simpático e ter ouvido musical, já publicou vários álbuns, onde vai à procura das raízes pela Europa e América fora. Ouvem-se gaitas, que não são de foles, mas parecem, ou irlandesas, mas não são, guitarras, vozes portuguesas, tantas: Dulce Pontes, Mafalda Arnauth, João Afonso, Vitorino, Júlio Pereira, Teresa Salgueiro, e estou-me a esquecer de várias.
Falando do concerto, aqueceu (e já estava calor) & convenceu. O São Jorge podia ter vendido mais bilhetes, porque a sala é óptima para concerto (já nem me lembrava), e a parte realmente aberta ao público estava cheia (no fim até dava para o pé de dança).
Na minha fila, um homem tentava na maior filmar o concerto integral por telemóvel... É menos que meter o Rossio na rua da Betesga.
No fim, os fãs puderam apascentar a dedicação com alguns cds à venda e com uma espera pelo Kepa encalorado que fez questão de dedicar os seus álbuns em basco. Depois de árdua pesquisa consegui perceber o que já fazia ideia de estar lá escrito -mas é mesmo difícil, a escrita a a fonética são diferentes, têm vários artigos, pronomes e formas verbais conforme o número, o género, o sujeito...
E os bascos, o que têm a ver com o pastoreio? Ora, por isso é que são bascos. Enquanto os romanos se entretinham com a Pax Romana e aculturação, alguns pastores resistentes (que não a aldeia gaulesa do costume) do sul de França e norte peninsular, como semi-nómadas, mantiveram a cultura pré-romana dos celtíberos, e daí a língua basca tramada. em que a ordem sujeito, predicado, artigo etc parece completamente subvertida. A língua é pré-românica e não obedece a nenhuma das leis do latim. A musicalidade também ficou. Alguns milénios mais tarde, as vizinhas Navarra e Pamplona contribuíram para o aparecimento de outro grande fenómeno basco, que não a ETA, mas sim a Kukuxumusu.
Portanto, em basco sei dizer Euskara, Kepa JunKera, trikitixa, txalapatra, Bilbao e kukuxumusu (beijo de pulga).
Quanto ao Sr grão Vasco, espero que volte muitas vezes, porque vale mesmo a pena.