Pedras Rolantes

"A vida é aquilo que acontece enquanto estás demasiado ocupado a fazer outros planos" John Lennon



"You can't always get what you want, but sometimes, yeah just sometimes, you can get what you need" The Rolling Stones



segunda-feira, agosto 04, 2008

Split Second (I.I) - O mundo ao contrário

É uma coisa estranha e já antiga que faço.
Quando era mesmo, mesmo pequenina, a minha ideia de Deus estar em todo o lado era Deus está em todo o lado, logo, se quiser, também pode "ouvir" o que estou a pensar. Isto não num contexto de oração (nunca fui muito do estilo "pay per view" ou já agora Senhor toma lá umas Avé-Marias e alegra o meu dia).
Também não o tratava por Senhor, era Deus ou tu (não me parece que fosse com T grande, embora fosse deferente e diferente). Também não era num contexto esquizóide ("eu oiço vozes dentro da minha cabeça"). Pura e simplesmente, falava com Ele, pensando (obviamente era um monólogo - a Voz Divina tem caminhos insondáveis, e ainda bem).
Com o passar do tempo, cresceu a distância, as certezas e as incertezas. A nossa relação "madura" é feita de altos e baixos mas pouca ligações directas.
Todavia, uma coisa que -acho - não Lhe deve passar ao lado, é a minha mania de "ligações indirectas quase directas". No meio de uma coisa especial ou especialmente bonita, geralmente lembro-me sempre de alguém que devia estar presente, que era imperativo estar ali, agora, a ver e ouvir o mesmo que eu, de alguma forma por uma luzinha que lhes envio. Terem a oportunidade de perceber, sentir e sentirem-se lembrados. Alguns deles por imperativos vários, outros por uma ausência de facto que já é mais difícil de transpor.
A minha professora de piano, em tantos concertos da Festa da Música.
A minha avó, quando vou ao Coliseu dos Recreios (apesar de eu não gostar particularmente de lá ir).
A minha avó Palmira, quando as pegas de caras correram bem (e ela a espreitar por entre os dedos) e cada vez que provo um bom arroz doce.
O meu padrinho, quando os dias parecem que param e fazem slow-motion como uma câmara de filmar à nossa volta devagarinho, e de repente percebemos que uma coisa que estava à nossa frente há muito tempo acabou de fazer plim.
E ao contrário, os concertos do Toumani Diabaté e do Elíades Ochoa, o Jardim das Oliveiras cheio cheio, as luzes no meio do rio que vêm devagar da Costa da Caparica e vão passando a Ponte (para mim é só "a ponte", muito obrigada, não há outra como esta), a lua quase uma risca no poente e as estrelas até se vêem numa cidade iluminada. Lembram muita coisa. Em ligação directa. Que não precisa ser com o além.
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