Continuando a minha longa lista de aberrações atrasadas sobre as quais tenho uma profunda necessidade de largar raios & trovões, tenho umas especiais de corrida atravessadas na garganta há já uns tempos.
É certo que os limites do ridículo (e do escabroso - e do decente) se vêm a alterar muito nestes últimos anos. Sobretudo a nível do que é virtualmente possível a nível de exposição pública (veja-se casal McCann por exemplo).
Os 15 minutos de Andy Warhol tornaram-se magros, e o efeito "ao vivo" parece que se tornou numa fantochada adulterada do Olimpo, como se a caixa, o LCD ou o plasma, e também a net, nos tivessem realmente aprisionado numa aldeia no mau sentido, em que somos obrigados a saber tudo sobre qualquer gato pingado que insista em que aparecer na televisão é ser gente.
Aquela rapariga com graves problemas psicológicos que não se contentou com 15 minutos, a quem vou chamar Já-de-coisinhaboa (tradução livre), vendeu cada segundo da privacidade da sua vida, da sua estupidez e da sua morte. Os estudiosos devem apontar a culpa aos pais ausentes, à infância tramada, etc, etc, sempre o mesmo verbatim. O que não obsta que ela tenha feito uma coisa que ainda não sei classificar convenientemente na minha cabeça como incrivelmente parva ou incrivelmente herética com um toque de info-exclusão ética (tão na moda nos dias que correm).
Ela prostituíu-se, no sentido de ter vendido o corpo (até à fase de farrapo), não a uma estação de televisão, mas a todos os espectadores atentos, avidos, viciados e consumidores da vida alheia, e vendido a alma ao melhor preço que lhe terão oferecido (o diabo já veste outras roupas).
Só vim a conhecer a personagem, porque teve o efeito de se catapultar até aos telejornais, encabeçar listas de apostas de finados e pôr um primeiro-ministro a ser mais idiota que o nosso. Afinal Já-de-coisinhaboa é património britânico? Mundial? De todos nós?
Para além de ficar multibilionária e morta, era isso que ela queria, ser de todos nós? E não houve ninguém com dois palmos de testa que desde 2000 até agora não tivesse analisado o vazio psicológico da Coisinhaboa? Estiveram todos demasiado ocupados a sugá-la na sua falta de maneiras, ignorância e dramatismo, a "vizinha do lado" de toda a gente por empréstimo, que , para salvação de todos, se imola na televisão? Como há 2000 anos, por outros métodos... Por aí entramos na necessária heresia dos meios de comunicação. Eles elegem os deuses e fazem-nos cair.
Em benefício de quem, senão das audiências? E, se é em benefício das audiências, quer dizer que o Truman Show passou para a vida real, e não apenas o 1984? Dêem-lhes alguma coisa para eles ficarem mansinhos, enquanto a gente trata das coisas?
Vê-se bem como as coisas têem sido tratadas, no sentido da ganância e do desespero. Qualquer sistema biológico ou físico (etc) tem energia e entropia (caos). É uma lei universal que a entropia aumenta sempre, por mais que se tente o contrário. E quando nem sequer se tenta... chega-se ao dia de hoje, tal e qual como ele é.
Uma outra face da mesma sede de protagonismo a roçar o mau gosto descobri muito por acaso. Estava a pesquisar imagens do Google sobre relógios, e encontrei uma bela fotografia do relógio da Gare/museu d'Orsay, em Paris, com uma boa definição.
Para guardar a fotografia abri um blog, por acaso dum cidadão português e tripeiro. O nome do blog - "I love the smell of quimio by the morning". #$%$#&%$ Auspicioso.
Em preâmbulo, sabe-se que o dito homem conta como 3 os seus tumores (malignos), o que não é bem verdade, 1º um carcinoma das cordas vocais (ou da laringe lá perto), 2º, um carcinoma do pulmão, 3º, a recaída do segundo.
E depois as crónicas esforçadíssimas do dia a dia de quem sempre se alimentou e continua a alimentar a álcool e tabaco. Esforçadíssimo tb o tratamento, sempre feito em França, nada com os mandraços do SNS. O dia em que foi apanhado pela polícia francesa com excesso de álcool a conduzir. Os dias das tesouradas à máquina zero.
Pergunto-me, será que ele próprio não reparou que não parece ter 50 e tal anos mas oitenta nos dias bons? Se o destino ironiza connosco, temos que fazer humor negro, tão negro que nem chega a ter piada?
É porque, quando se faz quimio, quase sempre deixa de se ter smell para qualquer coisa, já não falando dos maços aditivados. Eu não sou purista da causa, mas há coisas que me indignam. Lá que o homem lhe apeteça sadicamente gozar com a sua vida, é lá com ele.
Gozar com coisas muito sérias é com todos nós. Por essas e por outras é que eu própria gostava de ser mais info-excluída. O miolo ferve demais com esta gente obtusa que ainda por cima pensa que está a mandar uma mensagem.