Pedras Rolantes

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domingo, agosto 23, 2009

balzaquiana-do-meio



Estou a tentar não perder demasiado o fio às coisas sobre as quais queria escrever. Para além do tempo e da disponibilidade, agora são as mão que não deixam. E depois dizem que a idade não traz maleitas...só se for a mental, pq os intas infelizmente notam bem a diferença em relação aos intes, gandas malucos.

Até serve de mote, por acaso, ao sr Balzac. Confesso que o grosso da minha leitura não deve ser francófona, embora me tenha esforçado por ler muito em francês quando fiz o dito curso. Mas ler em francês não quer dizer que o autor seja francês, n'est-ce pas? Também devido à paixão familiar por Tintim e Astérix, não posso dizer que não tivesse entrado em contacto com... belgas francófonos (e Brel, patati, patatá...) e com A Obra O Principezinho. Não sou da geração Condessa de Ségur, mas apanhei-a felizmente em banda desenhada - desconfio que se fosse de outra maneira, tirando o Cadichon, tinha sido demasiado o xarope. E as incontornáveis Cartas do Meu Moínho.

Chega-se assim à conclusão de que não passei a minha juventude a ler aquele imenso historial servido a prestações que é chique dizer que se leu, "À procura do Tempo Perdido" de Proust. Só o título diz tudo. É difícil investir numa "enciclopédia" em dez volumes, quando há muito mais para fazer e para ler. E já fico aborrecida quando leio um livro que não gosto, acho que fui enganada e andei a perder o meu tempo - note-se bem que sou eu que insisto em ler a zurrapa até ao fim, com a esperança de uma pontinha que se lhe pegue. Daí que deteste o Murakami.
Não conhecia muito de Balzac, tirando que ele era um bom cronista do seu tempo. Andei avidamente á procura de A Mulher de 30 anos.

Será preciso repetir aquilo da FNAC, dos editores, distribuidores etc? Deixaram acabar a única edição portuguesa. Então, fui ao amazon.fr e comprei a edição de bolso. Tout simple. Nem a FNAC portuguesa tem livros em francês sobre autores franceses... Bem, a livraria internacional é um escândalo de disparates. Para encontrar alguns livros em espanhol foi um desastre (e acabei com um punhado de Nerudas, Llorcas e Garcia Marquez, que original).

Estava a meio da leitura em francês, quando aparece na Worten, mais uma vez agradecimentos ao Belmiro, uma nova edição a preço de estalo (vulgo, para as massas, como as outras edições do Continente - Portugueses, Mark Twain, Sherlock Holmes, Steinbeck, Camus e Hemingway a preços módicos, 4 ou 5€. Certo é que os livros não se desfazem e a tradução é boa (ao contrário das Holdings da escrita, que agora editam livros cheios de compassos que haviam de ser bússolas...)

Balzac é, na realidade, um bom cronista do seu tempo, que gosta de esmiuçar e esmigalhar os gostos da aristrocracia da época (não sei se a burguesia o interessava), e faz o possível por torturar a sua pseudo-heroína, justamente por não passar de uma coquete, ou seja, não pode ter um caso feliz (nem chega a "um quarto de romance" em resposta ao quase romance de MST) e definitivamente não pode ter uma morte sensível, tuberculosa, genial. Tem que morrer a ver historiazinhas a repetir-se, velha e quebrada -aos 50 já se é velha e quebrada...

A "mulher balzaquiana" vem na wikipedia, os brasileiros adoram esta expressão! Desconhecia o lado erudito do país irmão.
Balzac não gosta delas tenrinhas e de pouca idade, porque são honestas mas ignorantes, acima de tudo chateiam (ie, não desgrudam), e têm aquela triste ideia de "se apaixonar". Aos 30 anos (em 1800 e tal) já estão todas casadas menos as tias que foram para o convento, logo, são todas aproveitáveis. Estou a ser mázinha. Não, estou a aplicar o ponto de vista masculino!
Algumas delas são aproveitáveis, interessantes, inteligentes, já sabem que a vida não são rosas e sonhos (e geralmente estão tão fartas do marido como vice-versa), poderão ser ainda mais bonitas do que quando demasiado jovens, embora vestindo-se com recato mas sugerindo algo mais na sua simplicidade elaborada. Finalmente, Balzac estava apanhado por mulheres de 30 anos pequeninas, mas bem feitas, de longos cabelos escuros e olhos escuros (sempre fugiu ao cânone renascentista), generoso decote e belo pescoço (o homem passava-se por pescoços...).
Assim temos que Julie, a pobre coitada, aos 30 anos era magnífica (por fora, por dentro roía-se de penas) e o candidato Charles de qualquer coisa, de 30 anos também, era um garoto. Acabou-se o feminismo, pas de question. E então à desgraçada que passar dos trinta e chegar aos cinquenta já não lhe arranca um único elogio. Está visto que passou de prazo.

Por isso tenho pena que Balzac tenha dado um nome inadequado a uma quasi-comédia quasi melodrama de costumes para meter a sua farpa na sociedade e contar toda a história de França de permeio, e deixe tão pouco tempo para Julie ser uma pessoa real, em vez de um amontoado de equívocos do princípio ao fim. 30 anos, sim, ela teve-os, mas por muito poucas páginas. E não me parece que tenha sido uma experiência fascinante.

Se Balzac era o escritor das mulheres, havia ainda muito de tradicional entrosado nos seus juízos, pelo menos neste livro em particular. Não gostei de Julie, logo isso tira-lhe muito a graça. Não nego que escreva bem e tenha bom gosto nas senhoras de 30 anos, mas para as miúdas de trinta e tal, sabe ridiculamente a pouco.
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