Acabei de ler um livro, facto já de si inédito, uma vez que nos últimos dois meses foram mais os que comecei, e que foram ficando em stand-by, do que os que acabei. Na lista de espera ficam ainda Umberto Eco, Pablo Neruda, Joseph Mitchell e Susan Sontag.
Há espaço, há tempo(?), haverá disponibilidade...
Acabei de ler Os Palhaços de Deus, de Morris West. Fiquei de rastos. Não faz completamente o meu género porque mete uma ou outra subtrama que não aquece nem arrefece, e o enorme McGuffin sobre o qual se baseia é um pouco...difícil de digerir.
No entanto, é fácil descortinar (basta ler uma página), que não é Dan Brown et al, que atira uma espécie de quase ideia que se calhar pode quase ser verdade se uma data de outras quase verdades pudessem quase existir (vende muito e não leva com muitos processos da opus dei). Não, este homem trata o boi (o Vaticano) pelos cornos, no que é aliás especialista. Escreve muito bem e consegue ser tanto filosofo como poeta. Misturar a parte mais intimista com a política internacional do pé para a mão (os americanos são piores, os agentes da CIA quase que se arrependem, mas depois arrependem-se de se arrependerem, é como se fizessem o trabalho de Judas).
Finalmente a trama, é ao mesmo tempo boa e insuficiente. A mensagem não tão subliminar é a de que o Vaticano se devia deixar de rococós e vir ter com os fieis (ideia perigosíssima...baseada no senso comum), que o pensamento cristão devia ser baseado nos crentes e na sociedade e comunidade de crentes e não no sr. cardeal que veste Prada (28 anos depois). Tudo bem. O pior é que o McGuffin se torna personagem, o fim do mundo e o Filho do Senhor, que cirurgicamente se fartaram da treta do livre arbítrio e decidiram trucidar-nos, salvo uns tantos que passam a viver como os primitivos cristãos.
Se é preciso que do caos venha a ordem, porquê deste caos, porquê sermos todos palhaços de Deus, porquê as crianças com trissomia 21 serem os petits buffons? O meu Deus não conhece o mal, ama-nos e ao seu filho, que não vem para negociar mais uns dias antes do fim do mundo e dizer este pode passar este não. Torna-se num soldado nazi à porta do supremo campo de concentração... Mas Ele não morreu para nos salvar (a todos)?
Se é preciso que do caos venha a ordem, porquê deste caos, porquê sermos todos palhaços de Deus, porquê as crianças com trissomia 21 serem os petits buffons? O meu Deus não conhece o mal, ama-nos e ao seu filho, que não vem para negociar mais uns dias antes do fim do mundo e dizer este pode passar este não. Torna-se num soldado nazi à porta do supremo campo de concentração... Mas Ele não morreu para nos salvar (a todos)?
É-me portanto um pouco difícil engolir o final, embora admita que é corajoso ( o tio Dan punha algum ET a salvar-nos com muito glamour...). É feito de desespero, e de descrença em nós próprios, e se em 1981 havia a guerra fria e as ogivas nucleares, a bem dizer, há hoje alguma coisa que nos "salve" mais do fim do mundo? Simplesmente suspeito que ele não se vai fazer anunciar, vai acontecendo todos os dias.
A premissa de que se as pessoas soubessem que o mundo ia acabar se suicidariam em larga escala é lógica, mas também implica uma certa dose de lógica interna que não sei se existiria nos dias de hoje, sendo remetida para aquelas seitas marginais.
Não me considero marginal como cristã; acredito em Deus pelo coração, não é coisa que se prove; pratico-o sempre que posso (muito mais do que rezar o terço) com todas as falhas inerentes. Não posso acreditar neste fim. É um bom livro, excessivamente triste e pessimista (embora às vezes tente amenizar a dureza dos temas). Brinque-se com o Vaticano, mas não com os Palhaços.