Pedras Rolantes

"A vida é aquilo que acontece enquanto estás demasiado ocupado a fazer outros planos" John Lennon



"You can't always get what you want, but sometimes, yeah just sometimes, you can get what you need" The Rolling Stones



quinta-feira, setembro 11, 2008

nine-eleven





Foi há sete anos. Estava a sair do Hospital para casa (ainda não perdi a mania de escrever hospital com H grande), ao encontro de uma sessão de marranço com um livro descomunal em 2 volumes que eu aprendera a odiar lentamente ao longo de vários meses.




3ªfeira, 17 de Outubro de 2001, havia exame para concurso nacional de entrada para as especialidades (entretanto extinto, assim como os Internatos Geral e Complementar, que se fundiram para sem duvida formar gente mais competente; médicos? não me parece). Não atingia porque é que havia de ser sistema digestivo, cardiovascular, respiratório, nefrológico e hematológico. Vários deles tinham partes que não entravam e que agora sei perfeitamente. Tive uma branca nesse dia, começando 1º por Outubro. A Hematologia e a Pneumo é que me salvaram (fiz o pleno nas duas... e pouco mais).


Aliás, primeiro, disseram-me que havia qualquer coisa errada, que uma das torres do WTC estava a arder, depois na rádio para casa, eram duas, havia gente no telhado, um helicóptero, chamadas telefónicas, caos em Manhattan.

Fiquei em branco desde que liguei a televisão e todos os canais estavam a dar a CNN em directo. Em Julho desse ano tinha ido a um congresso no hotel entre as 2 torres. 5 estrelas. Marriott WTC.

Na praça central que se assemelhava segundo Rui Tavares, estranhamente à espiral de uma mesquita, a "praça do mundo", tocavam Jazz ao fim do dia. Imigrantes brasileiros vendiam toda a panóplia do I heart NY. Havia banquinhas da fruta. Estava lá a Cow Parade e havia duas vacas/torres gémeas.

A estação subterrânea de metro e ligação a comboios suburbanos tinha um centro comercial com lojas interessantes, sobre a natureza, uma loja dos Looney Toones na qual comprei montes de coisas.

Nos prédios do Winter Garden, de onde se via os pássaros voar pelas cúpulas transparentes, lembro-me de passar tempos e tempos a salivar na livraria Barnes & Noble (deve haver para aí 500 em NY, nas fotografias estou sempre ao pé de uma). As malas vieram abastecidas de Emily Dickinson, a 1ª americana com coragem para ser poeta, W.H. Auden (do Funeral Blues), eecummings, Walt Whitman (oh captain, my captain), sei lá.

Achei a cidade mais feia do que nos filmes (ao contrário de Paris), e os arranha céus menos imponentes do que parecem. Decidimos subir ao WTC, preterindo o Empire State 1º, porque estávamos mesmo lá, e os japoneses faziam à mesma uma fila dos diabos e 2º, porque iam lá estar sempre os 2, demos prioridade ao mais novo...

Foi espectacular o 109º andar. As 2 torres, os minaretes a chamar os fieis.

Em casa lembrei-me das pessoas que se viam dentro das estreitas janelas entre ferros (não eram bem janelas sequer, porque nem abriam), a trabalhar todo o dia. Em NY o dia tinha acabado de começar. Bem depressa começou a acabar. mas demorou tanto tempo a repetição slow-motion do acabar da agonia do espanto do medo do choque da impotência.

Fiquei sentada, a km e a horas daquilo tudo a acontecer. Estavam lá pessoas amigas, mas longe.

O fumo, a infâmia. Destruíram os meus sonhos, destruíram a glória yuppie dos anos 70/80 (e 60, que aquilo para construir ainda levou tempo). Destruíram os ícones do mundo que era o meu, o mundo do passado e do futuro, as estátuas em pedra dinamitadas. Aviões carregados de gente contra edifícios enormes que anda não estavam cheios de gente? kamikaze? terror? a minha liberdade prescindo-a se atacarmos o Afeganistão? aviões em terra, air force one no ar? importam-se de repetir?

A nuvem cinzenta, o rasto da civilização, o esboço do petróleo a arder que tudo há-de consumir, até, por super-aquecimento, uma estrutura de aço, e a confiança dos americanos na sua inexpugnabilidade.

Lançar o terror é sádico, doentio, demente, deliberado. Não os vencemos pela força, vamos vencê-los pelo medo. Medo puro e absoluto. Da morte, da queda, do calor, da asfixia, dos voice mails ouvidos tarde demais.
A internet (em Portugal, ainda sem banda larga) deixou de funcionar. Literalmente, o mundo parou, sentou-se e chorou, porque quando se chega a actos de selvajaria onde não só os fins justificam os meios, como as vidas humanas deixam de ter interesse ou valor, tudo é possível.

Nestes 7 anos, tudo tem sido possível. O mundo do futuro afundou-se (Concorde, Columbia, WTC), apesar de termos alegadamente descoberto a cura pª o cancro umas 500 vezes por ano. Que cancro? Apesar da nossa sequência genética ter sido descodificada. E as proteínas que funcionam senhores, são menos de 5% do genoma.
Que parte da árvore e da floresta não entenderam? Que parte de o mundo está a mudar e não é para melhor é que ainda não entenderam? A Terra nunca terá piedade de nós, nós estamos longe de contribuir para o equilíbrio. Somos estúpida e alarvemente pequenos e com uma mania das grandezas incongruente.

Quando vi o excelente filme United 93, chorei e tive medo. Por todos nós.

Obviamente, fiz uma pesquisa no google e escrevi 911; preparei-me para o pior, para a náusea de reanimar a memória. Uma página só. Na seguinte, passam para o Porsche 911. As moscas continuam as mesmas, tal e qual.

Be. Very. Afraid.

E curiosamente, eu que sou tão ligada de um modo quase masoquista ao sofrimento dos outros, não me vou lembrar este 911 das imagens chocantes e cruéis e longínquas. Entretanto, subrepticiamente, mudaram-se mais aqui para o pé de nós.

Terror, querem-me fazer crer, é cada dia que se passa e que se calam os quatro cavaleiros do Apocalipse, tão felizes, por verem que nos estamos tão bem a sair sozinhos.

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