Acho que no original, livro devia vir no fim, afinal é um mote, pelo menos do século 19. A árvore primeiro, demora mais tempo a crescer e a cuidar, é uma preparação, que podia começar no fim da infância e prolongar-se pela vida fora. A responsabilidade de adubar, podar, tomar as decisões para o crescimento da árvore tornaría-nos capazes de tomar essas decisões para nós mesmos e em prol dos nosso próximos?
Como plantar uma árvore na cidade? Um bonsai não conta. Não é uma réplica da natureza, é uma miniatura. Não se vive nem se faz filhos a tratar de miniaturas seja com toda a arte e destreza do mundo. Furando o cimento? Adjudicando uma dessas árvorezecas que as juntas de freguesia de vez em quando se lembram de deitar por aí, com um letreiro "propriedade de fulano de tal".
A metáfora da árvore é o crescimento, o saír suficientemente da casca para perceber as competências que se pode usar para subsistir, primeiro, e depois consegui assegurar a subsistência dos filhos. Por isso, sem a tradicional família alargada em que todos vivem perto, desde os bisavós aos bisnetos, e os nascimentos e mortes são vividos pelas famílias, diria mais, dentro das famílias, em vez de despachadas, sobretudo as mortes, para longe da vista e do coração, os pais e filhos separam-se (e agora estranham que os filhos fiquem em casa tanto tempo... se calhar, é sobrevivência, e já foi assim há muito tempo).
Nesta minha cosmologia individual, passo ao livro. Antes, pelas dificuldades de impressão, seria um livro de memórias. Agora, qualquer pessoa escreve um livro pela net, nem que seja em linguagem sms. ddtcl? Ninguém lê, verdade seja dita, mas toda a gente pode escrever, ou por um vídeo no youtube. As recordações tornaram-se efémeras e inócuas. parece que já não há ninguém que recorde. As fotografias que se permeiam são de guerra no World press photo. O "nosso" mundo está a deixar de ser fotogénico, até como recordação para as gerações que se hão-de seguir, que também já não estão interessadas. Em nada.
Isso leva-nos ao filho, o primum movens. Às maternidades e paternidades tardias. E depois? Não é suposto pela equação fundamental, que estamos a cuidar deste mundo emprestado, porque na realidade é dos nossos filhos? Sinto que não estou a cuidar de nada, e que ainda estou a aprender a cuidar de mim (porque por ironia do destino, me deixei a mim para o fim), embora suspeite que saiba melhor cuidar dos outros. E que a responsabilidade de podar, de endireitar, de ninar, de abraçar, de ouvir, de respeitar já foram adquiridas ou vieram de fabrico em bom estado, ou tive boa professora nalgumas das competências.
A de me auto-sustentar, na forma de suprir o meu futuro, estraga-me as estatísticas. Neste momento não imagino o meu futuro, não posso inventar a estabilidade que não tenho para levar sequer um filho ao infantário quanto mais à faculdade, neste país ou no próximo. Nesta cidade ou noutra. Onde assentar o meu ninho. A minha incapacidade natural de olhar por mim em benefício dos outros também não seria problema. Teria que olhar para mim em benefício de um filho.
Na teoria mais que idiota do presente em que vivemos, poderia ter hoje uma filha ou um filho de 20 anos. Eu! Sim, eu! 20 anos! Daqui a um ano passarei a estar feliz e automaticamente incluída no grupo de possíveis gravidezes de alto risco.
Tem piada. Tudo isto nunca foi coisa que me incomodasse. A constatação do geral é que pesa. A falta de condições. O ter escolhido e plantado uma árvore que não cresceu porque não fui eu que tratei dela (mas sou boa "jardineira de interiores"), o ter escrito um livro que não me afundou o ego, porque nesse particular ele é à prova de Margaridas Rebelos Pintos e distribuidoras e regras de mercado. Os cabelos brancos que me começaram a nascer aos molhos assim num repente (terei que tirar uma fotografia para mostrar ao meu filho/a: "olha, não te preocupes, não foste tu que os fizeste"). O apontar de binóculos a ver se o meu futuro aparece.
(Reduzindo, tudo, ao absurdo: futuro = condições de finanças estáveis para não me prover só a mim, mas conseguir poupar (?!?quando, quanto, quando?!?); variáveis = um bom/boa ginecologista/obstetra, idem pediatra, idem seguro de saúde, muito muito muito mais idem um pai para a criança; opcionais (não sou esquisita) = adopção onde quer que seja, mesmo por intermédio da Angelina e do Brad)
Futuro, futuro, aparece.