Pedras Rolantes

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segunda-feira, agosto 01, 2011

11.06.2001 - Indiana USA

(escrito após a execução de Timothy McVeigh e após ter visto a sua última entrevista ao "60 minutes"; há, para mim, actos de terrorismo, que transformam os dias comuns em puro medo, e crimes contra a humanidade, onde estes se enquadram; não me compete julgar quem comete assassínios em consciência, mas pelo menos posso opinar sobre as sociedades que os julgam e as penas que lhes são aplicadas. Que seria hoje de Hitler se tivesse Twitter e Facebook?)
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Terre Haute Skylight


(11.6.2001, Indiana,USA)
"Eu sou o dono do meu destino
Eu sou o comandante da minha Alma"
William Henley
1992- discurso de tomada de posse, Nelson Mandela
2001- últimas palavras de Timothy McVeigh

Diz-se que durante o seu transporte para a cela da morte, McVeigh pediu para parar e olhar a lua e as estrelas. Diz-se que o seu último desejo foi um jantar de gelado de chocolate com hortelã-pimenta.

Diz-se que o diabo branco americano morreu, que a pena se cumpriu. Se se fez justiça ou não, cabe a cada cabeça, muitas achando demasiado brando o método que o recambiou para as chamas ardentes, algumas rezando pela sua pobre alma ("temos que lhe perdoar, só assim ficaremos livres").

A caridade cristã norte-americana patrocinou um circuito fechado de TV para as vítimas e familiares de vítimas do atentado de Oklahoma que não tiveram a suprema felicidade de ser sorteados juntamente com alguns jornalistas para poderem assistir em directo, embora não in loco, aos 7 minutos e meio de uma morte há muito anunciada.

Diz-se que a vida imita a arte, a arte imita a vida; esta foi a Parte 1: "Dead Man Walking" de Tim Robbins, com Susan Sarandon e Sean Penn. Ainda se ouve Bruce Springsteen ao virar da esquina, quando os médicos e os guardas prisionais regressam a casa.
Descrição: McVeigh é amarrado a uma maca, seguem-se 3 injecções: 1ª, um sedativo, que prepara o organismo para não reagir, não haver aquela luta puramente animal, desenfreada e inconsciente, reflexo de sobrevivência que cai mal na CNN; 2ª, cloreto de pancurónio, derivado do curare, paralisa toda a musculatura esquelética, incluindo o diafragma daí resultando paragem respiratória (asfixia); 3ª, cloreto de potássio, provoca interferência na condução cardíaca, desregulando-a, levando à paragem.

Em 7 minutos e meio, paragem cardio-respiratória forçada. Não há reanimador na sala da morte, embora, em circunstâncias normais, qualquer doente nestas condições tivesse que ser imediatamente reanimado (no Juramento de Hipócrates, nunca diz para matar o próximo). Em circunstâncias normais, médicos especialistas teriam que esperar 48 horas para confirmar a morte cerebral, segundo apertados critérios.

"The Green Mile", baseado numa novela de Stephen King, leva-nos aos anos 30, tempo da "old sparky" (literalmente velha faísca), cadeira eléctrica cuja voltagem fazia apagar as luzes da vizinhança quando em utilização.

Timothy McVeigh desistiu por moto próprio da panoplia de recursos a tribunais, pedindo clemência. Decidiu não passar o resto da vida a esperar; assim, soube o tempo que lhe faltava viver.

Até o pedido do Papa caíu em saco roto aos pés do júnior e oligofrénico Bush. A Democracia baluarte dos valores do mundo moderno soçobrou à justiça olho por olho, dente por dente. Mostra bem a desagregação de um país onde os alunos do secundário praticam tiro ao alvo com os colegas e professores, tentando depois um harakiri estilo Pokemon. O país onde o anquilosado Charlton Heston clama por armas para todos. O país onde "pessoas normais", como o nosso vizinho da frente, perdem a cabeça e se tornam serial killers no McDonalds da esquina (será a BSE?).

O problema de McVeigh não era ter tendências de extrema direita, mas ser inteligente, ter formação militar (sendo até condecorado), e, sobretudo, ser um verdadeiro WASP. Nenhum americano lhe perdoa o facto de, com premeditação, ter agido como terrorista em próprio solo americano, destruindo um edifício federal como um castelo de cartas.

Se não fosse americano, era devolvido à precedência, e faziam-se umas manifs de vez em quando em frente à Casa Branca. Sendo americano, abriu uma ferida que não estanca no orgulho americano, no patriotismo sem limites e na paranóica caça às bruxas que inconscientemente defende os cidadãos americanos dos seus colonizadores europeus.

No filme "XFiles-Fight the Future", acharam a ideia de McVeigh tão boa que a recriaram em Dallas. Teoria da conspiração? O FBI nem sempre foi conhecido pelas suas virtudes, antes pelo seu poder velado.

Servindo uma vez mais de advogada do diabo (nunca pretendo pôr em causa a culpabilidade de McVeigh), o nosso terrorista é o típico introvertido e pacato cidadão com uma educação militar de códigos morais rígidos (quem mata quem em "American Beauty"?), que eventualmente chega a um ponto de colisão com o sistema, de não retorno ("Um dia de raiva", excelente desempenho de Michael Douglas), em que todos os mecanismos se dirigem para um objectivo concreto e a própria ideia de vida (própria e dos outros) se relativiza e secundariza até deixar de existir como tal. Segue apenas um comando, tal como a massificação da sociedade o moldou.

As reacções emocionais assoberbadas pelo aparentemente frio e contido nemésis americano na sua entrevista ao "60 minutes" não permitem julgamentos livres de preconceitos. Pessoalmente, não descobri uma mente intuitivamente criminosa, um pavão preconceituado neo-nazi como o pintaram. Perpetrou um acto terrorista contra a Mãe de todas as instituições, o estado americano, tendo morrido muitas pessoas inocentes. Não se esquivou à responsabilidade. Estava preparado para o crime e o castigo, como um soldado na frente de uma batalha.
E assim perante o Deus que é citado nas notas de dólar, e George W Bush, o tal senhor que parece que é presidente dos EUA mas não tem bem a certeza, Timothy McVeigh olhou para a câmara de televisão estrategicamente colocada no tecto, olhos fixos do efeito do sedativo…

…Aquele que já morreu vos saúda.
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